sexta-feira, 27 de junho de 2008

PERSONAGEM

Teu nome é quase indiferente
nem teu rosto já me inquieta.
A arte de amar é exatamente
a de ser poeta.

Para pensar em ti, me basta
o próprio amor que por ti sinto:
és a idéia serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença
é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto, é o que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silencioso, obscuro, disperso.

Todas as máscaras da vidas
e debruçam para o meu rosto,
na alta noite desprotegida
em que experimento o meu gosto,

Todas as mãos vindas ao mundo
desfalecem sobre o meu peito,
e escuto o suspiro profundo
de um horizonte insatisfeito.

Oh! que se apague a boca. o riso,
o olhar desses vultos precários,
pelo improvável paraíso
dos encontros imaginários!

Que ninguém e que nada exista,
de quanto a sombra em mim descansa:
- eu procuro o que não se avista,
dentre os fantasmas da esperança!

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu sou a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me descomponho e recomponho...

Cecília Meireles

quarta-feira, 11 de junho de 2008

SONHO BRANCO

De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!...
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas puríssimas nascido.
Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, límpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido...
As aves sonorizam-te o caminho...
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dão-te um ar nevado...
No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!

Cruz e Souza