domingo, 25 de maio de 2008

Nada

seus pés descalços a tocar
O chão frio de pedra
A queimar-me os ossos
Meus olhos doem
Pelo brilho da luz
Luz que emana
Do som profundo
De meus sonhos

Sou mestre em meus
Pesadelos
Sou o que vai à frente
A perseguir o caminho
Por onde outros ainda
Não passaram
E pelo qual
Outros virão
A me seguir

Mas entre uma pista e outra
Encontro rastros
De outros rostos
De outros donos de
Seus próprios pesadelos
E em meio ao caos terrível
Derramo meu coração
Diante do nada

Nada pode me deter
Nada é tão difícil
Que não possa ser
Vencido
Nada é tão doloroso
Nada pode ser tão fácil
Para que possa ser desprezado
A ponto de não ser
Feito

Alfredo Rebello
http://cantonoturno.blogspot.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sintonia Para Pressa e Presságio

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma,
e na pétala,luz do momento.
Sôo na dúvida
que separa o silêncio
de quem gritado escandalo que cala,
no tempo, distância,
praça que a pausa, asa,
leva para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais nada na sala.

Paulo Leminski
Pelos Caminhos que Ando

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

Pergunte ao pó
Cresce a vida
Cresce o tempo
Cresce tudo
E vira sempre
Esse momento
Cresce o ponto
Bem no meio
Do amor seu centro
Assim como
O que a gente sente
E não diz
Cresce dentro
Razão de Ser Escrevo.
E pronto.
Escrevo porque preciso,
Preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Retrato de lado
retrato de frente
de mim me faça ficar diferente
Segundo consta
O mundo acabando,
Podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
Tudo aquilo.
Reconstruam tudo
Segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua, Reinos, ruínas, anos,
Disse como éramos.
Amor, eu disse como.
E como era mesmo?
Sem Budismo
Poema que é bom acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos,
certo verso, veneno de letra, bolero,
Ou menos.
Tira daqui,
bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

Paulo Leminski

quarta-feira, 21 de maio de 2008

MÁRIO QUINTANA

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
TIMIDEZ

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo
,até não se sabe quando...
e um dia me acabarei.

Cecília Meireles
AS TRÊS EXPERIÊNCIAS

Há três coisas para as quais eu nasci e para as
quais eu dou a minha vida.
Nasci para amar os outros, nasci para escrever,
e nasci para criar meus filhos.
"O amar os outros" é tão vasto que inclui
até o perdão para mim mesma com o que sobra.
As três coisas são tão importantes que
minha vida é curta para tanto.
Tenho que me apressar, o tempo urge.
Não posso perder um minuto do tempo
que faz minha vida .
Amar os outros é a única salvação individual
que conheço: ninguém estará perdido
se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para escrever.
A palavra é meu domínio sobre o mundo.
Eu tive desde a infância várias vocações
que me chamavam ardentemente.
Uma das vocações era escrever.
E não sei por que, foi esta que eu segui.
Talvez porque para outras vocações eu
precisaria de um longo aprendizado,
enquantoque para escrever o aprendizado é
a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós.
É que não sei estudar.E, para escrever, o único estudo
émesmo escrever.
Adestrei-me desde os sete anos de
idade para que um dia eu tivesse a língua
em meu poder.
E no entanto cada vez que eu vou escrever,
é como se fosse a primeira vez.

Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz.
Essa capacidade de me renovar toda à
medida que o tempo passa
é o que euchamo de viver e escrever.
Quanto aos meus filhos,
o nascimentodeles não foi casual.
Eu quis ser mãe.
Meus dois filhos foram gerados voluntariamente.
Os dois meninos estão aqui, ao meu lado.
Eu me orgulho deles, eu me renovo neles,
eu acompanho seus sofrimentos e angústias,
eu lhes dou o que é possível dar.
Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo.
Mas tenho uma descendência, e para
eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia.
Sei que um dia abrirão as asas para o vôo
necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal,
porque a gente não cria os filhos para a gente,
nós os criamos para eles mesmos.
Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo
destino de todas as mulheres.
Sempre me restará amar.
Escrever é alguma coisa extremamenteforte
mas que pode me trair e me abandonar:
posso um dia sentir que já escrevi o que
é meu lote neste mundo e que eu devo aprendert
ambém a parar.
Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer.
Amar não acaba.
É como se o mundo estivesse a minha espera.
E eu vou ao encontro do que me espera.

Clarice Lispector

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Como dorme no berço uma criança

Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;
Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!
E abrir os braços e viver a vida:-
Quanto mais funda e lúgubre a descida,
Mais alta é a ladeira que não cansa!
E, acabada a tarefa… em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!

Florbela Espanca

Eu adolescente


domingo, 18 de maio de 2008

Menininha

Lampejos dos revoltos cabelos dourados,
Face meiga, gestos delicados de bailarina,
Na ponta dos pés, fazia realizar o sonho,
Bala doce para o agrado da menina.

Órfã, sem o afago maternal, frágil...
Era só o que parecia, tinha o que queria.
Sábia na busca de proteção caprichosa,
Ser mimada, e ter por instante, magia!

Precoce na vida por mistérios vividos!
Era ela! E o mundo voraz a recebia.
A rua do poeta marcou os lépidos passos,
Viu o alvorecer, e por vezes, rebeldia!

Distante... O tempo passou... Solidão!
Esperança, fantasia, realidade, frutos!
Sorriso, desilusão alternam-se na trilha,
E trazem, de outrora, o jeito arguto.

Levar a vida, ser feliz, viver e sonhar...
Que os raios de sol iluminam-lhe o rosto,
Para mostrar como é grande seu amor...
Partilhar, compartilhar... Saúde e gosto!

Maria do Rosário14-04-2008.

Poesia em minha homenagem

Eu


Éramos Sete

Quatro Marias, Ademar, Sebastião e Manoel,
amizade fraterna, felicidade juvenil.
Peripécias, manhas, cabriolas,sol nascente,
poente, aconchego, noite sutil.
No calor confortável do colo maternal,
derrubaram-nos, de repente, o ninho.
Sem rumo, corações abertos e boa índole,
de galho em galho, vida passarinho.
Restava-nos, ainda, a segurança paterna,
porto seguro, coragem insuperável!
Braço forte, abraço amigo, dignidade,
Lida difícil, aqui e ali, laço inseparável.
Olhares distantes, em vislumbre de futuro...
Arremessou-nos a vida ao fiel destino.
Novas paragens, buscas incessantes,
às vezes sucesso, por vezes, desatinos.
Era o quarto degrau da escadinha, dócil!
Quebrantou-se... Era chegada a sua vez.
À sombra da palmeira, fizeram-lhe morada,
e nós seis, poucos, choramos a escassez.

Maria do Rosário Teixeira PaixãoNovembro/2007.

Eu e meus irmãos


PROFUNDAMENTE

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balõesPassavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
DançavamCantavam
E riamAo pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
DormindoProfundamente.
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
DormindoProfundamente.

Manuel Bandeira

MInha Mãe


Meu Pai


Eu