terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O que escrevi...

Pelas ruas da cidade
Vejo minha mocidade
Escorrer pelas sarjetas
A procura de você

Pelos becos mais escuros
Sinto meus cabelos duros
Se rasparem contra os muros
Onde ontem escrevi

Escrevi que te amava
Escrevi o que era contra
Escrevi o que pensava
Sem ao menos me dar conta

Escrevi que te amava
Escrevi o que era contra
Escrevi o que pensava
Com sangue, tinta e jasmim

Alfredo Rebello

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Lágrima



Denso, mas transparente
Como uma lágrima...
Quem me dera
Um poema assim!
Mas...
Este rascar da pena! Esse
Ringir das articulações... Não ouves?!
Ai do poema
Que assim escreve a mão infiel
Enquanto - em silêncio a pobre alma
Pacientemente espera.

Mário Quintana

domingo, 6 de dezembro de 2009

Torre de Névoa


Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,
Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! ...”
Calaram-se os poetas, tristemente ...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! ...

Florbela Espanca

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Pequena Flor


Como pequena flor que recebeu uma chuva enorme
E se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotas
Na seda frágil, e preservar o perfume que aí dorme
E vê passarem as leves borboletas livremente
E ouve cantarem os pássaros acordados sem angústia
E o sol claro do dia às claras estátuas beijando sente
E espera que se desprenda o excessivo, úmido orvalho
Pousado, trêmulo, e sabe que talvez o vento
A libertasse, porém a desprenderia do galho
E nesse temor e esperança aguarda o mistério transida
- Assim repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
Há um coração nas lânguidas tardes que envolvem a vida

Cecília Meireles