sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A RUA DOS MEUS SONHOS

Pela rua da minha infância
passam meus pais apressados,
atropelando os meus momentos,
agredindo minha esperança em flor.

Pelas ruas dos meus sonhoses
corregam dos meus lábios
medos que se esparramam
na depressão do lar que aflige.

Pelas ruas dos meus intentos
adormeço a soluçar os meus castigos
de silêncio em quarto escuro
por pecados os quais não cometi.

E nos meus sonhos ouço clássicos
que acalantam os meus pais
que não podem ser incomodados
em seus pesadelos de pedra e de dor.

Nos meus sonhos adormeço
vasculhando a nota musical perfeita
pra enfeitar as esperanças
desta rua que não volta mais.

E acordo meio à madrugada
procurando em sonâmbulos sorrisos
as brincadeiras que meus pais imaginaram,
mas que o tempo já deteriorou.

E quem sabe os meus pais,
num desatino,
pelas ruas dos seus sonhos
sonhem que seus pesadelo
seram sonhosde um brinquedo
que no eternamentese pode brincar.

Paulo Franco

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Poema da purificação

Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.

As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 21 de dezembro de 2008

Mistérios

Os pensamentos vêm de longe, distantes dos olhos,
Invadem a alma, conduzem à essência consciente,
Registram na mente e se convertem na palavra escrita,
E à luz do conhecimento, surge o novo, transparente.

Faz-se uma viagem pelos meandros da vida,
Todos os cantos vasculhados trazem à clara memória,
Sorrisos, tristezas, encontros, doçura, saudades...
Infinito pensar, dignidade, porto seguro e glória!

Vozes ressoam, fiéis semblantes ressuscitam,
A oitiva reproduz situações e fatos em oscilação,
Nessa dança, vaivém, paraíso, prazeres de outrora,
À espreita no horizonte, transbordam o coração!

Um misto de alegria e dor, assim faz o viver,
Presença no mundo dos mortos e vivos, mistérios...
Desvendar os sonhos... Quisera o vôo verdadeiro,
Prelúdio, sintonia, lirismo, o verso e o refrigério!

Maria do Rosário Teixeira Paixão

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Às vezes tudo se ilumina

Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade
E é como se agora este pobre, este único,
este efêmero instante do mundo
Estivesse pintado numa tela,
Sempre...

Mário Quintana

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


Canção para um Desencontro

Deixa-me errar alguma vez,
porque também sou isso: incerta e dura,
e ansiosa de não te perder agora que entrevejo
um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende
porque se faço mal é por querer-te
desta maneira tola, e tonta, eternamente
recomeçando a cada dia como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho, dos teus
desvãos de música ou vôo, teus sótãos e porões
e dessa escadaria de tua alma.

Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca
deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia.

Lya Luft

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

TORRE DE NÉVOA

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: "Que fantasia,
Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! ..."
Calaram-se os poetas, tristemente ...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! ...

Florbela Espanca
O nosso mundo é sempre a esperança da luz, do brilho que sempre é ligado a uma sensação de felicidade e de realização, mas a vida é mais sombra que luz, encontrar os caminhos entre as sombras é uma arte que não se encontra em qualquer lugar, mas é tão lindo quando passamos a enxergar a partir das sombras, que passam a ser não as trevas e sim a doce nuance entre a luz e a sombra, a zona de transição onde poucos enxergam, mas os de que lá vêem o mundo, vislumbram algo muito mais rico e maravilhoso.

(autor desconhecido).***

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O guardador de águas

Eu sou o medo da lucidez.
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei uma idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte que se parava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Um descor Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liqüidamente ali.

Manoel de Barros

domingo, 30 de novembro de 2008


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra partes
e sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte-
que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

sábado, 29 de novembro de 2008

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Charneca em flor

Enche o meu peito,num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

Florbela Espanca

quarta-feira, 26 de novembro de 2008


O MITO

É vasto
o canto em que te guardo
neste coração de pedra.

Vasto silêncio
no meu grito.

Vasta emoção
que no meu peito
medra
de infinito.

E se és razão
em mim
pra desapego,
eu tenho medo
e neste canto
te transformo
em segredo e mito.

Paulo Franco

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Experimentando a manhã dos galos

... poesias, a poesia é
-é como a boca
dos ventos
na harpa
nuvem
a comer na árvore
vazia que
desfolha a noite
raíz entrando
em orvalhos...
floresta que oculta
quem aparece
como quem fala
desaparece na boca
cigarra que estoura o
crepúsculo
que a contém
o beijo dos rios
aberto nos campos
espalmando em álacres
os pássaros- e é livre
como um rumo
nem desconfiado...

Manoel de Barros

domingo, 23 de novembro de 2008


NÃO!

Não!
Não permita
Que te imponham
Condições
Não permita
Que te forcem
Provações
Não!
Reaja, lute
Não permita
Não!
Não deixe
Que te neguem
O direito
De negar
Somente possuir
A ordem
De dizer sim...
Ao passo que
Todos temos
Que compreender
A grande arte
De simplesmente
Dizer não!
Discuta, ouça
Fale o que pensar
Prepare-se para
Aprender
Mudar...
Metamorfosear
O ser
Como Raul cantou
Porque não ser
Como o raio de sol?
Brilhar na escuridão
Limpar a ignorância
Com educação
Ao ver uma criança
Um futuro crer
Onde todos tenhamos
O direito
De dizer
Não!

Escrito por Alfredo Rebello

JARDIM INTERIOR

Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.

Oração ao Tempo

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...

Caetano Veloso

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quarta-feira, 19 de novembro de 2008


Passarinho

Cantar como um passarinho
De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Bate as asas, passarinho
Que eu quero voar
Bate as asas, passarinho
Que eu quero voar
Me leva na janela da menina
Que eu quero amar
Me leva na janela dela
Que eu quero espiar
Me leva na janela da menina
Que eu quero cantar
Cantar como um passarinho
De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Cantar como um passarinho
De manhã cedinho
Lá na galha do arvoredo
Na beira do rio
Cantar como um passarinho
Como um passarinho
Cantar como um passarinho
Como um passarinho
Como um passarinho

Composição: Tuzé de Abreu

Paulo Leminsk

Tudo é milagre. Não precisa curar leprosos. Não preciso de milagres desse tipo. A cor amarela, para mim, é um milagre. A percepção é um grande milagre. Poder ouvir um som, mi bemol, é um milagre. O azul, as experiências biológicas, o gosto da batata frita, são milagres. Dar três trepadas numa noite é um milagre. O mundo é cheio de milagres. E as pessoas ficam procurando... As pessoas querem circo. Não preciso de circo, o zen não precisa de circo. O zen diz: "é aqui e agora".

.

Manoel de Barros

no escritório de ser inútil
passo horas descascando palavras.
Vou até o caroço delas.
Ontem levei a palavra "alma" para descascar.
Descobri que é uma palavra linda,
escura e de olhos baixos

Mário Lago

Eu fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo:
nem ele me persegue, nem eu fujo dele.
Um dia a gente se encontra....

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Caixinha Mágica

Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobrado girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.
Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.
O que é que você queres
conder na minha caixa?

Roseana Nurray

Gosto quando te calas

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voa
doe parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

Pablo Neruda

Chico Xavier

Nossos problemas nem sempre são tão grandes quanto a nossa incapacidade de nos desfazermos deles...Reflitamos nos problemas cotidianos, categorizando-os por recursos renovadores.À frente de qualquer desafio, recordemos que todo problema é um convite da vida, em nome de Deus, para que venhamos a compreender mais amplamente, melhorar sempre e servir mais.

Emmanuel

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Poema

O grilo procura no escuro
o mais puro diamante perdido.
O grilo

com as suas frágeis britadeiras de vidro
perfura
as implacáveis solidões noturnas.

E se o que tanto busca só existe
em tua limpida loucura

que importa?

isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro!

Mário Quintana

sexta-feira, 14 de novembro de 2008


Caminho

E é perto da borda
Do infinito
Abismo
Montanhas em nuvens
Altas
Que se
Aprende a aprender
E é antes doFim do
Começo da
Grande trilha
Que se ensina
O que seAprendeu
E mesmo
EntãoSe do outro lado
Da borda
Não em cima
Não em baixo
É mais profundo
É mais
Do que o mais alto
Mesmo
Então
Se pode aprender
Mesmo
E então
Se pode ensinar
Para poder viver
Aprender
Transmitir
Compartilhar
E é desde o começo
Até o fim
O mesmo caminho
A mesma harmonia
Que só tem começo
Que poderá ser
Fim
Mas deve ser energia
InacabávelImutável
A serviçoE a servir
Como é o seu sumo
Substância-sentimento
Coração
Denominarei seu poder
Esclarecerei
O que quero dizer
E direi
Depois de tantas palavras
Que procuro ter
Em constante e diário
Existir
Um só caminho a seguir
E esse caminho
É o Amor

Alfredo Rebello

Se cada dia cai

Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade
está presa.
há que sentar-se
na beirado poço
da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda

Beto(meu irmão) e seu filho Hugo


Blues

Tem muito azul em torno dele
Azul no céu azul no mar
Azul no sangue à flor da pele
Os pés de lótus de Krishna
Tem muito azul em torno dela
Azul no céu azul no mar
Azul no sangue à flor da pele
As mãos de rosa de Iemanjá
Os pés da Índia e a mão da África
Os pés no céu e a mão no mar

Péricles R. Cavalcanti

Simplesmente amor, nasceu sem pedi licença...


Fernando Pessoa

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.
O que confesso não tem importância, pois nada tem importância.
Faço paisagens com o que sinto.

O Medo

Em verdade temos medo.
Nascemos no escuro.
As existências são poucas;
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
Vadeamos.
Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
Este célebre sentimento,
E o amor faltou: chovia,
Ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo... Nevava.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
Meu companheiro moreno.
De nos, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
Vem ó terror das estradas,
Susto na noite,
receio De águas poluídas.
Muletas Do homem só.
Ajudai-nos,
lentos poderes do Láudano.
Até a canção medrosa se parte,
Se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
Duros tijolos de medo,
Medrosos caules,
repuxos,
Ruas só de medo, e calma.
E com asas de prudência
Com resplendores covardes,
Atingiremos o cimo
De nossa cauta subida.
O medo com sua física,
anto produz: carcereiros,
Edifícios, escritores,
Este poema,
Outras vidas.
Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
Recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
Eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
Dançando o baile do medo.

Carlos Drummond de Andrade

Canto do Povo de Um Lugar

Todo dia o sol se levanta
E a gente canta ao sol de todo dia
Finda a tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde
Quando a noite a lua mansa
E a gente dança venerando a noite

Caetano Veloso

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A FALTA QUE AMA

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à to
ao pensamento, na luz?
E por que nunca se esco
ao tempo, chaga sem pus?

O inseto petrifica
dona concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?

Carlos Drummond de Andrade

POEMA

O grilo procura
no escuro
o mais puro diamante perdido.

as implacáveis solidões noturnas.

E se o que tanto busca só existe
em tua limpida loucura

-que importa?-isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro!

Mário Quintana

terça-feira, 28 de outubro de 2008


O Apanhador de Desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidadedas tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

domingo, 26 de outubro de 2008

JARDIM INTERIOR

Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.

Mário Quintana

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O Coração

O Coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um-tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro-voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças,
Vive do aroma-que se diz-amor.

Castro Alves

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A HORA DO CANSAÇO

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam,
absoluta, numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 31 de julho de 2008

As Estrelas

Foram-se abrindo aos poucos as estrelas ...
De margaridas lindo campo em flor!
Tão alto o Céu!. .. Pudesse eu ir colhê-Ias ...
Diria alguma se me tens amor.

Estrelas altas! Que se importam elas?
Tão longe estão ... Tão longe deste mundo ...
Trêmulo bando de distantes velas
Ancoradas no azul do céu profundo ...

Porém meu coração quase parava,
Lá foram voando as esperanças minhas
Quando uma, dentre aquelas estrelinhas,

Deus a guie! do céu se despencou ...
Com certeza era o amor que tu me tinhas
Que repentinamente se acabou!

Mário Quintana

sábado, 26 de julho de 2008


Canção do Amor Sereno

Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua , e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.

Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.

Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.

Lya Luf

sexta-feira, 27 de junho de 2008

PERSONAGEM

Teu nome é quase indiferente
nem teu rosto já me inquieta.
A arte de amar é exatamente
a de ser poeta.

Para pensar em ti, me basta
o próprio amor que por ti sinto:
és a idéia serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença
é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto, é o que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silencioso, obscuro, disperso.

Todas as máscaras da vidas
e debruçam para o meu rosto,
na alta noite desprotegida
em que experimento o meu gosto,

Todas as mãos vindas ao mundo
desfalecem sobre o meu peito,
e escuto o suspiro profundo
de um horizonte insatisfeito.

Oh! que se apague a boca. o riso,
o olhar desses vultos precários,
pelo improvável paraíso
dos encontros imaginários!

Que ninguém e que nada exista,
de quanto a sombra em mim descansa:
- eu procuro o que não se avista,
dentre os fantasmas da esperança!

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu sou a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me descomponho e recomponho...

Cecília Meireles

quarta-feira, 11 de junho de 2008

SONHO BRANCO

De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!...
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas puríssimas nascido.
Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, límpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido...
As aves sonorizam-te o caminho...
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dão-te um ar nevado...
No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!

Cruz e Souza

domingo, 25 de maio de 2008

Nada

seus pés descalços a tocar
O chão frio de pedra
A queimar-me os ossos
Meus olhos doem
Pelo brilho da luz
Luz que emana
Do som profundo
De meus sonhos

Sou mestre em meus
Pesadelos
Sou o que vai à frente
A perseguir o caminho
Por onde outros ainda
Não passaram
E pelo qual
Outros virão
A me seguir

Mas entre uma pista e outra
Encontro rastros
De outros rostos
De outros donos de
Seus próprios pesadelos
E em meio ao caos terrível
Derramo meu coração
Diante do nada

Nada pode me deter
Nada é tão difícil
Que não possa ser
Vencido
Nada é tão doloroso
Nada pode ser tão fácil
Para que possa ser desprezado
A ponto de não ser
Feito

Alfredo Rebello
http://cantonoturno.blogspot.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sintonia Para Pressa e Presságio

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma,
e na pétala,luz do momento.
Sôo na dúvida
que separa o silêncio
de quem gritado escandalo que cala,
no tempo, distância,
praça que a pausa, asa,
leva para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais nada na sala.

Paulo Leminski
Pelos Caminhos que Ando

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

Pergunte ao pó
Cresce a vida
Cresce o tempo
Cresce tudo
E vira sempre
Esse momento
Cresce o ponto
Bem no meio
Do amor seu centro
Assim como
O que a gente sente
E não diz
Cresce dentro
Razão de Ser Escrevo.
E pronto.
Escrevo porque preciso,
Preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Retrato de lado
retrato de frente
de mim me faça ficar diferente
Segundo consta
O mundo acabando,
Podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
Tudo aquilo.
Reconstruam tudo
Segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua, Reinos, ruínas, anos,
Disse como éramos.
Amor, eu disse como.
E como era mesmo?
Sem Budismo
Poema que é bom acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos,
certo verso, veneno de letra, bolero,
Ou menos.
Tira daqui,
bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

Paulo Leminski

quarta-feira, 21 de maio de 2008

MÁRIO QUINTANA

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
TIMIDEZ

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo
,até não se sabe quando...
e um dia me acabarei.

Cecília Meireles
AS TRÊS EXPERIÊNCIAS

Há três coisas para as quais eu nasci e para as
quais eu dou a minha vida.
Nasci para amar os outros, nasci para escrever,
e nasci para criar meus filhos.
"O amar os outros" é tão vasto que inclui
até o perdão para mim mesma com o que sobra.
As três coisas são tão importantes que
minha vida é curta para tanto.
Tenho que me apressar, o tempo urge.
Não posso perder um minuto do tempo
que faz minha vida .
Amar os outros é a única salvação individual
que conheço: ninguém estará perdido
se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para escrever.
A palavra é meu domínio sobre o mundo.
Eu tive desde a infância várias vocações
que me chamavam ardentemente.
Uma das vocações era escrever.
E não sei por que, foi esta que eu segui.
Talvez porque para outras vocações eu
precisaria de um longo aprendizado,
enquantoque para escrever o aprendizado é
a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós.
É que não sei estudar.E, para escrever, o único estudo
émesmo escrever.
Adestrei-me desde os sete anos de
idade para que um dia eu tivesse a língua
em meu poder.
E no entanto cada vez que eu vou escrever,
é como se fosse a primeira vez.

Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz.
Essa capacidade de me renovar toda à
medida que o tempo passa
é o que euchamo de viver e escrever.
Quanto aos meus filhos,
o nascimentodeles não foi casual.
Eu quis ser mãe.
Meus dois filhos foram gerados voluntariamente.
Os dois meninos estão aqui, ao meu lado.
Eu me orgulho deles, eu me renovo neles,
eu acompanho seus sofrimentos e angústias,
eu lhes dou o que é possível dar.
Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo.
Mas tenho uma descendência, e para
eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia.
Sei que um dia abrirão as asas para o vôo
necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal,
porque a gente não cria os filhos para a gente,
nós os criamos para eles mesmos.
Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo
destino de todas as mulheres.
Sempre me restará amar.
Escrever é alguma coisa extremamenteforte
mas que pode me trair e me abandonar:
posso um dia sentir que já escrevi o que
é meu lote neste mundo e que eu devo aprendert
ambém a parar.
Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer.
Amar não acaba.
É como se o mundo estivesse a minha espera.
E eu vou ao encontro do que me espera.

Clarice Lispector

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Como dorme no berço uma criança

Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;
Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!
E abrir os braços e viver a vida:-
Quanto mais funda e lúgubre a descida,
Mais alta é a ladeira que não cansa!
E, acabada a tarefa… em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!

Florbela Espanca

Eu adolescente


domingo, 18 de maio de 2008

Menininha

Lampejos dos revoltos cabelos dourados,
Face meiga, gestos delicados de bailarina,
Na ponta dos pés, fazia realizar o sonho,
Bala doce para o agrado da menina.

Órfã, sem o afago maternal, frágil...
Era só o que parecia, tinha o que queria.
Sábia na busca de proteção caprichosa,
Ser mimada, e ter por instante, magia!

Precoce na vida por mistérios vividos!
Era ela! E o mundo voraz a recebia.
A rua do poeta marcou os lépidos passos,
Viu o alvorecer, e por vezes, rebeldia!

Distante... O tempo passou... Solidão!
Esperança, fantasia, realidade, frutos!
Sorriso, desilusão alternam-se na trilha,
E trazem, de outrora, o jeito arguto.

Levar a vida, ser feliz, viver e sonhar...
Que os raios de sol iluminam-lhe o rosto,
Para mostrar como é grande seu amor...
Partilhar, compartilhar... Saúde e gosto!

Maria do Rosário14-04-2008.

Poesia em minha homenagem

Eu


Éramos Sete

Quatro Marias, Ademar, Sebastião e Manoel,
amizade fraterna, felicidade juvenil.
Peripécias, manhas, cabriolas,sol nascente,
poente, aconchego, noite sutil.
No calor confortável do colo maternal,
derrubaram-nos, de repente, o ninho.
Sem rumo, corações abertos e boa índole,
de galho em galho, vida passarinho.
Restava-nos, ainda, a segurança paterna,
porto seguro, coragem insuperável!
Braço forte, abraço amigo, dignidade,
Lida difícil, aqui e ali, laço inseparável.
Olhares distantes, em vislumbre de futuro...
Arremessou-nos a vida ao fiel destino.
Novas paragens, buscas incessantes,
às vezes sucesso, por vezes, desatinos.
Era o quarto degrau da escadinha, dócil!
Quebrantou-se... Era chegada a sua vez.
À sombra da palmeira, fizeram-lhe morada,
e nós seis, poucos, choramos a escassez.

Maria do Rosário Teixeira PaixãoNovembro/2007.

Eu e meus irmãos


PROFUNDAMENTE

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balõesPassavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
DançavamCantavam
E riamAo pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
DormindoProfundamente.
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
DormindoProfundamente.

Manuel Bandeira

MInha Mãe


Meu Pai


Eu