sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A RUA DOS MEUS SONHOS

Pela rua da minha infância
passam meus pais apressados,
atropelando os meus momentos,
agredindo minha esperança em flor.

Pelas ruas dos meus sonhoses
corregam dos meus lábios
medos que se esparramam
na depressão do lar que aflige.

Pelas ruas dos meus intentos
adormeço a soluçar os meus castigos
de silêncio em quarto escuro
por pecados os quais não cometi.

E nos meus sonhos ouço clássicos
que acalantam os meus pais
que não podem ser incomodados
em seus pesadelos de pedra e de dor.

Nos meus sonhos adormeço
vasculhando a nota musical perfeita
pra enfeitar as esperanças
desta rua que não volta mais.

E acordo meio à madrugada
procurando em sonâmbulos sorrisos
as brincadeiras que meus pais imaginaram,
mas que o tempo já deteriorou.

E quem sabe os meus pais,
num desatino,
pelas ruas dos seus sonhos
sonhem que seus pesadelo
seram sonhosde um brinquedo
que no eternamentese pode brincar.

Paulo Franco

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Poema da purificação

Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.

As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 21 de dezembro de 2008

Mistérios

Os pensamentos vêm de longe, distantes dos olhos,
Invadem a alma, conduzem à essência consciente,
Registram na mente e se convertem na palavra escrita,
E à luz do conhecimento, surge o novo, transparente.

Faz-se uma viagem pelos meandros da vida,
Todos os cantos vasculhados trazem à clara memória,
Sorrisos, tristezas, encontros, doçura, saudades...
Infinito pensar, dignidade, porto seguro e glória!

Vozes ressoam, fiéis semblantes ressuscitam,
A oitiva reproduz situações e fatos em oscilação,
Nessa dança, vaivém, paraíso, prazeres de outrora,
À espreita no horizonte, transbordam o coração!

Um misto de alegria e dor, assim faz o viver,
Presença no mundo dos mortos e vivos, mistérios...
Desvendar os sonhos... Quisera o vôo verdadeiro,
Prelúdio, sintonia, lirismo, o verso e o refrigério!

Maria do Rosário Teixeira Paixão

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Às vezes tudo se ilumina

Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade
E é como se agora este pobre, este único,
este efêmero instante do mundo
Estivesse pintado numa tela,
Sempre...

Mário Quintana

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


Canção para um Desencontro

Deixa-me errar alguma vez,
porque também sou isso: incerta e dura,
e ansiosa de não te perder agora que entrevejo
um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende
porque se faço mal é por querer-te
desta maneira tola, e tonta, eternamente
recomeçando a cada dia como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho, dos teus
desvãos de música ou vôo, teus sótãos e porões
e dessa escadaria de tua alma.

Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca
deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia.

Lya Luft

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

TORRE DE NÉVOA

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: "Que fantasia,
Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! ..."
Calaram-se os poetas, tristemente ...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! ...

Florbela Espanca
O nosso mundo é sempre a esperança da luz, do brilho que sempre é ligado a uma sensação de felicidade e de realização, mas a vida é mais sombra que luz, encontrar os caminhos entre as sombras é uma arte que não se encontra em qualquer lugar, mas é tão lindo quando passamos a enxergar a partir das sombras, que passam a ser não as trevas e sim a doce nuance entre a luz e a sombra, a zona de transição onde poucos enxergam, mas os de que lá vêem o mundo, vislumbram algo muito mais rico e maravilhoso.

(autor desconhecido).***

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O guardador de águas

Eu sou o medo da lucidez.
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei uma idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte que se parava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Um descor Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liqüidamente ali.

Manoel de Barros