quarta-feira, 21 de maio de 2008

AS TRÊS EXPERIÊNCIAS

Há três coisas para as quais eu nasci e para as
quais eu dou a minha vida.
Nasci para amar os outros, nasci para escrever,
e nasci para criar meus filhos.
"O amar os outros" é tão vasto que inclui
até o perdão para mim mesma com o que sobra.
As três coisas são tão importantes que
minha vida é curta para tanto.
Tenho que me apressar, o tempo urge.
Não posso perder um minuto do tempo
que faz minha vida .
Amar os outros é a única salvação individual
que conheço: ninguém estará perdido
se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para escrever.
A palavra é meu domínio sobre o mundo.
Eu tive desde a infância várias vocações
que me chamavam ardentemente.
Uma das vocações era escrever.
E não sei por que, foi esta que eu segui.
Talvez porque para outras vocações eu
precisaria de um longo aprendizado,
enquantoque para escrever o aprendizado é
a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós.
É que não sei estudar.E, para escrever, o único estudo
émesmo escrever.
Adestrei-me desde os sete anos de
idade para que um dia eu tivesse a língua
em meu poder.
E no entanto cada vez que eu vou escrever,
é como se fosse a primeira vez.

Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz.
Essa capacidade de me renovar toda à
medida que o tempo passa
é o que euchamo de viver e escrever.
Quanto aos meus filhos,
o nascimentodeles não foi casual.
Eu quis ser mãe.
Meus dois filhos foram gerados voluntariamente.
Os dois meninos estão aqui, ao meu lado.
Eu me orgulho deles, eu me renovo neles,
eu acompanho seus sofrimentos e angústias,
eu lhes dou o que é possível dar.
Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo.
Mas tenho uma descendência, e para
eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia.
Sei que um dia abrirão as asas para o vôo
necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal,
porque a gente não cria os filhos para a gente,
nós os criamos para eles mesmos.
Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo
destino de todas as mulheres.
Sempre me restará amar.
Escrever é alguma coisa extremamenteforte
mas que pode me trair e me abandonar:
posso um dia sentir que já escrevi o que
é meu lote neste mundo e que eu devo aprendert
ambém a parar.
Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer.
Amar não acaba.
É como se o mundo estivesse a minha espera.
E eu vou ao encontro do que me espera.

Clarice Lispector

Nenhum comentário: